Um filme brasileiro para encarar o genocídio e reconectar o público com a dor palestina
O programa Democracia no Ar, de sexta-feira, 19 de setembro, recebeu o diretor, diretor de fotografia e editor Gustavo Castro para apresentar Notas sobre um desterro, longa que chega ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com sessão única em 18 de setembro, às 19h, dentro da Mostra Coletiva Identidades. A entrevista, conduzida por Sara Goes, é a fonte desta reportagem, que traz trechos literais do diálogo e atualiza as informações de lançamento e circulação do filme.
A obra parte de um material captado na Cisjordânia em 2018, quando Castro viajou com o fotógrafo Rafael Oliveira para registrar o cotidiano de uma família brasileira-palestina, ligada a Alid Rabá, e se transformou após 7 de outubro de 2023. O diretor explica que o projeto, inicialmente pensado para discutir convivência e possibilidades de coexistência, foi reeditado para enfrentar a escalada de violência e a avalanche de imagens produzidas pelas próprias vítimas. “O objetivo principal desse filme é testemunhar”, afirma. O gesto de testemunho organiza a narrativa em três tempos, as cenas de 2018, o agora, de 2024, e um arco histórico costurado com arquivos da Agência da ONU para Refugiados Palestinos, do começo do século XX até os acordos de Oslo.
A sessão no Festival de Brasília foi marcada pela presença do embaixador da Palestina no Brasil, que, segundo Castro, reconheceu o esforço de síntese, cem anos de história comprimidos em oitenta minutos. O efeito sobre o público é recorrente, e o diretor tenta traduzir por números o impacto de assistir às imagens enquanto o massacre segue, “é uma criança morta ou ferida a cada 20 minutos”. A contabilidade do horror, diz, ajuda a romper a anestesia social, “quando você se permite sentir a dor, você também se conecta com a sua humanidade, e consegue transformar isso em empatia, em consciência crítica ou em alguma forma de ação”.
O filme também é uma resposta estética e política à geopolítica das plataformas e ao apagamento de contextos. Ao recompor a história com arquivos e celulares, Castro desloca o foco para a experiência de uma família que atravessa fronteiras, classe trabalhadora em Curitiba que retorna à terra ocupada, e aproxima o público brasileiro do tema. “A gente acha que esse filme tem um papel fundamental, aproximar a Palestina do público do Brasil”, diz, lembrando que a identificação se dá pelo vínculo com personagens brasileiros-palestinos.
No programa, Sara Goes perguntou pela expectativa em relação ao discurso do presidente Lula na ONU e pelo lugar do Brasil no pedido global de cessar-fogo. Castro diz ver coerência nas posições, mas limites concretos nas ações possíveis, “é unânime o pedido para um cessar-fogo, tem apenas o veto dos Estados Unidos, então Israel e Estados Unidos estão cada vez mais isolados”. Ele emenda a crítica ao contágio ideológico, associando o cotidiano brasileiro de violência a um modelo exportado, “o que mais mata é a ideologia sionista, sendo exportada para outros lugares do mundo”. Para o cineasta, o Brasil viveu um período em que esse repertório inspirou políticas, exemplos e performances públicas, “se a gente aceita que isso aconteça lá hoje, amanhã pode acontecer aqui”.
A conversa retomou o processo de realização, paralisado entre 2018 e 2022 por desmonte de políticas culturais, e reativado em 2023 com um pequeno edital de finalização via Lei Paulo Gustavo. A equipe cresceu com a roteirista e produtora Juliana Sonson e o montador Ticiano Monteiro. A circulação agora depende de rede solidária, sessões em festivais e apoio direto do público, “a gente tem muitas dificuldades e muitas barreiras para distribuir um filme sobre a Palestina”. Castro relata que a agenda pós-Festival de Brasília inclui o CineBH, em Belo Horizonte, no domingo 28, e uma estreia internacional no México no fim de outubro, além de tratativas com a Embaixada da Palestina para novas exibições em Brasília.
Ao fim da entrevista, o diretor voltou ao propósito do projeto, atravessar a bolha de dados e devolver escala humana a uma tragédia que o noticiário tende a reduzir a números. “Ele não muda a realidade por si só, mas muda aquilo que se sente”, diz, sustentando a aposta no cinema como forma de partilha pública da dor e da memória, condição para que a empatia se transforme em pressão política por um cessar-fogo e por justiça.
📺 Programa Democracia no Ar
📅 De segunda à sexta
🕙 Das 10h às 11h
📺 Ao vivo em: https://www.youtube.com/TVAtitudePopular
💚 Apoie a comunicação popular!
📲 Pix: 33.829.340/0001-89