Atitude Popular

Elites manipuladas: a guerra mental de Washington contra a Europa

Da Redação

Investigadora alerta para redes transatlânticas que cooptam as elites europeias desde meados do século XX apontando riscos à soberania continental

A partir de uma entrevista apresentada por Pascal Lotaz no canal Neutrality Studies, destacamos os insights de Nel Bonia, escritora e pesquisadora, responsável pelo Substack Worldliness: The Threads Connecting Geopolitics, que analisa o funcionamento e a influência das redes transatlânticas sobre as lideranças europeias.

Nel Bonia traça um panorama histórico: essas redes que influenciam decisores em importantes países europeus têm suas origens entre as Guerras Mundiais, especialmente após 1945. Por meio de fundações como Ford e Rockefeller, think tanks (e.g., Fundações Atlantic Bridge e American Council on Germany), conferências e estágios no exterior, consolida‑se uma “socialização” ideológica dos membros da elite europeia em sintonia com interesses dos EUA.

“Essas redes… buscam socializar as elites dos países alvos na visão de mundo dos Estados Unidos, e não nos interesses de seu próprio Estado‑nação”

As camadas da influência transatlântica

  1. Fundações filantrópicas – como Ford e Rockefeller, destinam recursos a programas conotados com defesa da ordem liberal, mas também com objetivos estratégicos.
  2. Think tanks e conselhos – organizações como Atlantic Bridge reúnem políticos, banqueiros e empresários alemães e americanos para troca de experiências, redes de contato e alinhamento político.
  3. Conferências estratégicas – eventos como Bilderberg e a Conferência de Segurança de Munique funcionam como espaços de construção de consensos e identificação de talentos para futuras lideranças.
  4. Estágios e estágios-piloto – muitos jovens começam cedo dentro dessas redes, como no caso de Lars Klingbeil, que ainda na década de 2000 passou por programas do Atlantic Council nos EUA, e Jacob Schlott, chefe de gabinete alemão, com trajetória marcada por essas conexões.

Casos emblemáticos

  • Friedrich Merz, atual chanceler da Alemanha, antes de assumir a presidência da Atlantic Bridge, presidiu a BlackRock Alemanha, demonstrando o entrelaçamento entre finanças globais e política.
  • Sigmar Gabriel, do SPD, também assumiu a presidência da Atlantic Bridge, confirmando o caráter bipartidário da cooptação ideológica.
  • Willy Brandt, beneficiado por apoio institucional e artístico dessas redes durante sua campanha a prefeito de Berlim, ilustra que a influência não se restringe à CDU e inclui políticos de esquerda.

Um sistema resiliente e coeso

Nel Bonia sabe reconhecer a sofisticação estratégica desse sistema estrutural:

“Não está nas sombras, está às claras… é um sistema sociológico que funciona”

Ela argumenta que não há rival comparável — nem China, nem Rússia — em capacidade de criação de redes epistêmicas integradas com alcance global.

Limites à pluralidade política

As redes transatlânticas definem os parâmetros do debate político na Europa contemporânea. Políticos fora destas estruturas — sejam da extrema-direita populista ou da esquerda crítica — são frequentemente marginalizados. A narrativa hegemônica diverge em detalhes (rearmamento liberal ou conservador), mas converge quanto à necessidade de uma Europa fortemente armada e alinhada à hegemonia norte-americana, limitando reformas diplomáticas e soberanas.

Conclusão

A matéria de Nel Bonia oferece um alerta claro: a sociologia de poder transatlântico molda decisões políticas, econômicas e ideológicas no coração da União Europeia. Com décadas de influência, essas redes transbordam fronteiras e moldam carreiras — como as de Merz, Gabriel, Schlott, Klingbeil — reforçando uma espécie de “pensamento único” europeu em torno das prioridades geoestratégicas de Washington. A soberania continental, segundo ela, está menos ameaçada por tanques do que por epistemes compartilhadas.

Link para o artigo original: Ehttps://themindness.substack.com/p/elite-capture-and-european-self-destructionlite Capture & European Self-Destruction: The Hidden Architecture of Transatlantic Hegemony