Atitude Popular

“Energia renovável sim, mas não assim”

Lideranças do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte denunciam impactos de parques eólicos e solares sobre comunidades rurais, e exigem uma transição energética justa, descentralizada e com protagonismo popular

No programa Democracia no Ar, da Rádio e TV Atitude Popular, representantes do Movimento dos Atingidos e Atingidas pelas Renováveis (MAR) trouxeram relatos contundentes sobre as consequências sociais, ambientais e políticas dos megaprojetos de energia limpa no Nordeste brasileiro. A transmissão, originalmente marcada para duas semanas antes, havia sido interrompida por problemas de conexão. “Privatiza que dá errado”, ironizou a apresentadora Sara Góes ao comentar a instabilidade causada pela operadora.

João Batista, o Tita, pescador artesanal e liderança da Articulação Povo de Luta do Ceará, foi direto: “Quando os empreendimentos chegam com seu poderio, com grandes máquinas, o que vem junto é rachadura nas casas, poeira, ruído e doenças”. Ele descreveu a instalação de torres eólicas em comunidades simples, como a Praia do Xavier em Camocim, como uma invasão que rompe os modos de vida tradicionais e fere a integridade do território. “O que se chama de parque eólico é, na verdade, uma indústria. É exploração em nome de uma energia que não fica para nós”, denunciou.

Do agreste paraibano, Maria do Céu reforçou a crítica ao modelo centralizado. Representante do Polo Sindical da Borborema, ela relatou como as comunidades da agricultura familiar começaram a perceber ameaças em 2018, quando anemômetros foram instalados sem consentimento. “Eles diziam que era progresso, prometeram dinheiro, aposentadoria. Mas a verdade chegou pelos intercâmbios que fizemos: as famílias perdem a terra, a saúde mental, os animais e até o silêncio”, explicou. Segundo ela, muitas das promessas foram feitas no auge da pandemia, em contextos de vulnerabilidade social, com contratos assinados sob pressão e desinformação.

Nevinha Valentim, coordenadora do MAR no Rio Grande do Norte, destacou a articulação entre os movimentos de resistência e a urgência de revisão das políticas públicas. “Esses empreendimentos são classificados como de baixo impacto. Então, nem estudo de impacto ambiental completo se exige. É absurdo”, criticou. Ela lembrou que há mais de mil empreendimentos eólicos no Rio Grande do Norte, alguns em áreas sob ameaça de perda de soberania nacional. “O governo conversa, mas não muda o modelo. Não adianta só ouvir, tem que agir. A gente está falando de violações de direitos humanos.”

As falas foram permeadas por comentários dos ouvintes e apoiadores da causa. Heloísa Primavera, pesquisadora e ativista das moedas sociais, se emocionou: “Me arrepiei. Toda segunda-feira começo aqui e termino à noite relatando o que ouvi no programa”. Um dos ouvintes resumiu: “O Nordeste virou uma neocolônia energética graças ao viralatismo dos governadores”.

Ao longo da conversa, os participantes reiteraram que não são contra as energias renováveis, mas sim contra o modelo predatório e concentrador de riqueza que se impõe sobre populações vulneráveis. “A gente quer energia limpa, mas também justa. Queremos placas solares nos telhados, como foi com as cisternas de placa. Queremos distribuir o excedente como fazemos com os alimentos da agroecologia”, afirmou Maria do Céu. Ela enfatizou que as mulheres são as mais afetadas pelo modelo atual, pois concentram o cuidado das famílias e sofrem diretamente com a precarização do território.

Para Nevinha, o que está em disputa é o significado de desenvolvimento. “Infelizmente, parte da esquerda ainda é desenvolvimentista. Ignora os modos de vida locais e repete modelos europeus. Nosso povo quer viver bem, não ser expulso por hélices.”

Ao final, Sara Góes sintetizou o sentimento do programa: “A crítica vem do campo, da floresta, das águas, de quem alimenta o país. Não dá mais para fingir que isso tudo é limpo só porque é pintado de branco.” A mesa foi unânime ao defender o fortalecimento das mesas de diálogo, como as que vêm sendo articuladas entre movimentos populares e a Secretaria-Geral da Presidência. Mas a cobrança foi clara: “Ou o governo muda de postura, ou vai perder de vez o campo.”

📅 Toda segunda-feira
🕙 Das 8h30 às 9h30
📺 Ao vivo em: https://www.youtube.com/TVAtitudePopular
💚 Apoie a comunicação popular!
📲 Pix: 33.829.340/0001-89

siga: