Da Redação
Professora da UFSC expõe como agências norte‑americanas financiam movimentos, projetos na Amazônia e educação — projetando hegemonia neoliberal
Desde o início do século, estratégias ocultas de influência internacional se instalam nos mecanismos políticos, sociais e econômicos do Brasil — e a professora Camila Fakes Vidal, do Programa de Pós‑Graduação em Relações Internacionais da UFSC, alerta para essa face “lendária, mas invisível” do imperialismo global. Em entrevista ao programa do IELA/UFSC, ela esclarece como agências como USAID (conhecida como “AID” ou “ZID” no Brasil), NED, CIP e Atlas Network atuam desde os anos 1960, amparadas por financiamento privado e institucional, e direcionadas a sustentar metas geopolíticas dos Estados Unidos.
Camila destaca que “o que a gente vê como espontâneo, como natural, um anseio popular, na realidade foi organizado, deliberado, financiado de fora” — por atores americanos e também por parte de nossa elite nacional. Ao contrário da intervenção militar visível, essas estruturas operam por meio de projetos de capacitação, formação da sociedade civil e influências discretas que moldam narrativas, instigam mudanças sociopolíticas e preparam terreno para agendas neoliberais.
Intervenção na Amazônia
A USAID mantém desde 1980 o Programa Conservação da Biodiversidade Amazônica (PCAB), em parceria com governos e entidades privadas. Relatórios de 2023 indicam investimento de US 12 milhões, envolvimento de 287 empresas privadas e atuação direta em 40 milhões de hectares, com 13.600 pessoas treinadas — metade indígenas ou quilombolas. As ações, segundo Camila, utilizam a retórica da conservação para inserir interesses comerciais estadunidenses:
“Promovemos a prosperidade americana por meio de investimentos que expandem mercados para as exportações dos EUA, criam condições equitativas para as empresas dos EUA…” — trecho do relatório anual da USAID
Entre as empresas envolvidas no projeto estão Google (tecnologia às comunidades) e Mineração Rio do Norte, ligada a conglomerados como Rio Tinto, Glencore e South32 — evidências do entrelaçamento entre conservação, negócios extração e tecnologia.
Educação e formação neoliberal
O projeto “Mais Unidos” (desde 2008), protagonizado pela USAID em parceria com a embaixada americana e corporações como Bank of America, City, ExxonMobil, Microsoft, GE, Qualcomm e Coca‑Cola, promove cursos de inglês e empreendedorismo em escolas públicas de São Paulo e Minas Gerais (com apoio de secretarias estaduais). Entre 2018 e 2023, o programa afirma ter mobilizado “R$ milhões” (valor omitido) e atendido mais de 8.000 pessoas, com destaque para 270 mulheres empreendedoras e construção de três centros de inovação.
Camila aponta a grave polarização dessas ações: “Você divide para conquistar… grana vai para quem emite nota fiscal — empresas privadas. Indígenas, quilombolas, universidades federais ficam excluídos.” O ingresso precoce do jovem no modelo do “empreendedorismo flexível” compromete conquistas trabalhistas, frames de proteção social e potencia desigualdades — abrindo portas para desregulação.
Rede global de think tanks neoliberais
A pesquisadora também revela estudos de Jar Lopez, Luan Brun e Nick Cleveland Stout sobre o financiamento de redes como a Atlas Network e o Instituto Hoover. Documentos internos de 2010 mostram que a organização planejava cuidadosamente a logística de envio de delegados ao “Fórum da Liberdade” em Porto Alegre (“fórum da direita”), com mapeamento de mídia, slogans, doadores e estratégias de difusão — até mesmo antes dos protestos de 2013.
Camila sublinha: “Essas agências atuam há décadas no mundo com a intenção claríssima de intervenção e de produzir políticas em seu favor.” Como nos EUA, onde think tanks recebem mais de um bilhão de dólares por ano e elaboram planejamentos de política externa mesmo antes de eleições, no Brasil a lógica de subserviência e influência segue operando sob “luvas de veludo e punhos de ferro.”
Conclusão
Embora muitas dessas iniciativas gerem benefícios aparentes — preservação ambiental, inclusão, aumento do inglês — sua contextualização revela estratégias de domínio geopolítico. “O que falta é termos um projeto de nação”, reflete Camila. “Entender até que ponto queremos esses vínculos e até que ponto aceitamos, com clareza, os interesses por trás.”


