(com prefácio involuntário de Donald Trump e apoio logístico da ultradireita brasileira)
Por Reynaldo Aragon
Diz a sabedoria popular — essa velha senhora que sobreviveu a ditaduras, a planos econômicos e até à live do Bolsonaro com PowerPoint sobre “mamadeira de piroca” — que quem avisa, amigo é. Mas em Brasília, amigo mesmo é quem trama em silêncio.
Depois do carnaval trumpista em solo americano, com direito a chifres, bandeiras e invasão do Capitólio, o Brasil, como sempre atento às tendências importadas, tratou de fazer o seu remake tropical. Um tanto canhestro, é verdade. Faltaram viking pelado, mas sobrou véio barrigudo com camisa da seleção e bíblia na mão. E, no fundo, Jair Bolsonaro, nosso animador de auditório aposentado, apareceu como sempre: fora do palco, mas soprando o roteiro aos ouvidos dos seus dublês de patriota.
Eis que agora, na terceira temporada desse reality show geopolítico grotesco, surge a nova fase: a negociação da alma nacional. Nos porões da extrema-direita brasileira — aqueles onde o Wi-Fi pega direto da embaixada dos EUA — costura-se o novo pacto. Não mais “Brasil acima de tudo”. Agora é “Wall Street acima de todos”, com um toque de “God bless América, but please don’t arrest me”.
Sim, leitor, não é delírio. É plano.
O objetivo é simples: garantir que até 2026, os Estados Unidos continuem operando suas ferramentas de instabilidade – os bons e velhos instrumentos de guerra híbrida – em solo brasileiro, com direito a bônus de performance caso consigam fazer o STF parecer um comitê bolivariano ou transformar qualquer política social em comunismo cubano com sabor de açaí.
Em troca? O de sempre. Acesso irrestrito aos nossos dados, ao nosso território, à nossa Amazônia, ao nosso subsolo, às nossas eleições e, se possível, ao nosso petróleo – agora chamado nos bastidores de “energia estratégica de segurança ocidental”, porque “soberania” soa muito anos 50.
E para fazer esse jogo sujo parecer diplomacia, surgem, como fantasmas de um esgoto político nunca selado, as figuras já putrefatas de sempre: Ronaldo Caiado, o ruralista performático de Goiás, que tenta se vender como voz moderada ao mesmo tempo, em que acena para os Estados Unidos com um chapéu de couro e uma bandeira da OTAN; Tarcísio de Freitas, o tecnocrata com sotaque de planilha e alma de capitão do mato, tentando ocupar o papel de “interlocutor sério” com o império. Todos se posicionam como pontes — mas pontes para o abismo. E fazem isso com entusiasmo histérico, agarrados metaforicamente às bolas políticas de Donald Trump, com a esperança de que algum sêmen geopolítico respingue sobre seus projetos de poder.
Não se trata mais apenas de lobby. É uma arquitetura. Uma engenharia da submissão.
A ultradireita nacional, essa espécie de sucursal mental do trumpismo, que ora se fantasia de liberal, ora de crente, ora de miliciano, ora de investidor da Faria Lima, atua hoje como ponte oficial entre os interesses do sistema financeiro anglo-americano e a elite brasileira que nunca conheceu um espelho. Gente que olha para Washington e vê Paris.
E não faltam argumentos técnicos: “os Estados Unidos estão preocupados com a democracia”, dizem os mensageiros com crachás falsos de ONGs e fundações que mais parecem braços armados do Departamento de Estado. Na verdade, os EUA estão preocupados com uma coisa só: que o Brasil descubra que pode pensar com a própria cabeça. Daí o ataque constante a qualquer governo que ouse cogitar desenvolvimento com soberania, redistribuição com justiça ou política externa com altivez.
O mais fascinante é a coreografia: enquanto o governo Lula tenta reconstruir as bases do Estado após os bombardeios institucionais que sofreu do Congresso e da milícia digital, os bastidores da extrema-direita planejam o golpe final — não o da ruptura violenta, mas o da entrega educada, com gravata Hermès, PowerPoint em inglês e promessas de investimento estrangeiro que nunca chegam, mas sempre enchem manchetes.
Entre sorrisos e jantares com ex-funcionários do National Security Council e consultores da BlackRock, os futuros entreguistas redigem em silêncio o obituário da soberania brasileira. E fazem isso com a arrogância de quem acredita que governar um país é o mesmo que administrar um condomínio de luxo em Miami: basta expulsar os pobres e terceirizar tudo.
Se você ouviu falar de “parcerias estratégicas”, “integração energética hemisférica”, “cooperação militar em cenários de instabilidade” e “plataformas de proteção democrática algorítmica”, pode saber: não é progresso, é pretexto. O nome disso é ocupação sem botas. Guerra sem tanques. Tratorar a democracia usando cláusulas de investimento e manuais de contra-insurgência.
A história já viu isso antes. O nome muda, o cheiro não.
Em 1964, o recado veio via telegrama. Em 2025, vem por e-mail criptografado e reunião no Zoom. Mas a essência é a mesma: a elite nacional — branca, herdeira, antinacional — chama o gringo sempre que o povo ameaça se lembrar de que pode ser protagonista. E o gringo vem, sempre vem, com seus drones, seus fundos de investimento e sua preocupação humanitária seletiva.
O que estamos assistindo, portanto, é o novo capítulo da velha tragédia: como se vende um país em suaves prestações, com aval da mídia, respaldo das instituições e aplausos do mercado.
E o mais triste, caro leitor, é que tudo isso é feito em nome da liberdade.
Liberdade para quem?
Nos próximos capítulos: o retorno do “fantasma do comunismo”, a nova rodada de fake news sobre planos secretos do Foro de São Paulo, e os financiamentos obscuros para desestabilizar o TSE sob o pretexto da “liberdade algorítmica”.
Prepare seu estômago. A história, no Brasil, se repete como farsa — e depois como franquia.