Da Redação
o mundo foi surpreendido pelo anúncio: o Prêmio Nobel da Paz 2025 foi conferido à líder venezuelana María Corina Machado, também conhecida como uma das principais figuras da oposição ao governo de Nicolás Maduro. O comitê norueguês justificou o prêmio com frases como “incansável trabalho na promoção dos direitos democráticos” e “luta por uma transição justa e pacífica de ditadura para democracia”.
Mas essa premiação — longe de ser um reconhecimento isento de disputas políticas — levanta acusações graves: ela reforça narrativas ideológicas externas, legitima uma agenda de intervenção contra regimes que fogem ao alinhamento ocidental e reaviva o mito da “alternativa democrática” favorável aos interesses do capital transnacional. Trata-se, portanto, de um gesto profundamente político, com implicações diretas para a estabilidade da Venezuela e da região caribenha.
1. O perfil político de María Corina Machado: liberalismo radical e posições controversas
Antes de avaliar o prêmio, é fundamental compreender o perfil da homenageada. María Corina Machado não é uma ativista neutra: suas propostas e histórico revelam um alinhamento com agendas de direita, de corte liberal radical, que defendem privatizações, redução do Estado e abertura irrestrita ao capital externo.
Machado apoia a privatização de empresas estratégicas, incluindo a PDVSA, e sustenta um modelo de Estado mínimo, orientado por concepções de mercado e competitividade global. Essa visão de “democracia” conecta-se à lógica neoliberal que subordina a soberania nacional à lógica financeira internacional.
Além disso, sua trajetória política carrega episódios graves. Em 2002, Machado apoiou o golpe de Estado que depôs temporariamente Hugo Chávez, assinando o “decreto Carmona”, que dissolveu o Congresso, suspendeu a Constituição e concentrou poderes nas mãos de uma junta provisória. O episódio a marcou como cúmplice de uma tentativa autoritária de tomada de poder — um contraste direto com o ideal de democracia que hoje se tenta lhe atribuir.
Machado também foi inabilitada por 15 anos para ocupar cargos públicos, decisão resultante de irregularidades administrativas. Mesmo assim, venceu as primárias da oposição em 2023, revelando tanto sua força política quanto o caráter polarizado da oposição venezuelana. É, portanto, uma figura com projeto próprio, comprometida com a agenda neoliberal, e não uma “pacifista” desinteressada de poder.
2. O prêmio em contexto geopolítico: interesses de regimes externos e uso simbólico
Dar um Nobel da Paz a uma figura tão polarizadora tem um evidente valor político. O gesto está longe de ser neutro: ele reafirma o alinhamento do comitê norueguês com a agenda das potências ocidentais e o discurso de “restauração democrática” usado recorrentemente para justificar sanções, ingerências e desestabilizações em países do Sul Global.
a) A influência de potências externas e o lobby sobre o prêmio
Setores influentes do establishment político norte-americano e europeu — especialmente ligados à direita latino-americana — vinham pressionando por um reconhecimento internacional a Machado. Essa rede de apoio vê nela uma ferramenta útil para reconfigurar o tabuleiro venezuelano, impulsionar novas sanções contra Caracas e reforçar a narrativa de que o “socialismo do século XXI” é um fracasso moral e institucional.
O Nobel, nesse contexto, serve como selo de legitimidade para políticas de coerção. Ao premiar Machado, o comitê envia um recado claro: regimes que não se alinham ao modelo liberal ocidental serão isolados e estigmatizados como “autoritários”. O gesto, portanto, se alinha ao projeto geopolítico de desestabilizar governos soberanos e enfraquecer blocos regionais que buscam alternativas à hegemonia norte-americana.
b) O uso simbólico como arma de legitimação
Mais do que reconhecimento, o prêmio confere blindagem. O Nobel transforma Machado em ícone moral, protegendo-a de críticas e permitindo que sua agenda — de caráter nitidamente neoliberal e pró-intervenção — se apresente sob o véu da “luta pela liberdade”.
Na prática, o prêmio funciona como um escudo diplomático e midiático: qualquer oposição à sua atuação será agora lida como ataque à democracia. É a velha estratégia de converter disputas políticas em batalhas morais, esvaziando o debate e criminalizando divergências.
3. As contradições internas e críticas de seu próprio eleitorado
Mesmo dentro da oposição venezuelana, Machado não é unanimidade. Parte significativa dos opositores a Maduro vê nela uma representante das elites urbanas, distante das demandas reais do povo e inclinada a políticas que aprofundariam a desigualdade social.
Ela foi criticada por flertar com a ideia de intervenção externa e por defender abertamente o endurecimento de sanções econômicas — medidas que afetam sobretudo as camadas mais pobres do país. Seu discurso, mais voltado à elite empresarial e à classe média tradicional, pouco dialoga com o cotidiano das maiorias trabalhadoras.
Portanto, o Nobel não celebra um consenso interno na Venezuela. Pelo contrário, amplifica uma voz de facção e apaga a complexidade do cenário político nacional.
4. O impacto regional: Venezuela, Caribe e América Latina
O prêmio a María Corina Machado não é um evento isolado. Ele deve ser entendido como parte de uma ofensiva simbólica e política mais ampla contra governos progressistas e soberanistas na América Latina.
O gesto:
- Intensifica a pressão sobre o governo Maduro, legitimando sanções e ações diplomáticas hostis sob o argumento de “defesa da democracia”.
- Encoraja movimentos de direita em países como Colômbia, Brasil, Bolívia e Nicarágua, que verão em Machado um modelo de resistência contra governos populares.
- Cria tensões diplomáticas na região, ao obrigar países a se posicionarem frente a uma narrativa imposta por potências ocidentais.
- Reforça o isolamento da Venezuela no plano econômico e institucional, ao transformar sua política interna em tema de “segurança internacional”.
Em resumo, o Nobel concedido a Machado atua como vetor de instabilidade: é uma premiação política, revestida de retórica humanitária, mas destinada a fragilizar processos de integração regional e a soberania de países que insistem em não se submeter à ordem unipolar.
5. A paz como retórica e o conflito como estratégia
O paradoxo é gritante: o Nobel da Paz, supostamente dedicado a figuras e organizações que promovem reconciliação e diálogo, é entregue a uma liderança que defendeu abertamente a derrubada violenta de um governo eleito e que participou de um golpe de Estado.
O prêmio, portanto, converte-se em instrumento de guerra simbólica. Em vez de pacificar, acirra as divisões internas e fornece narrativa para intervenções futuras. A paz, nesse caso, é apenas o disfarce moral da coerção.
6. Conclusão: um prêmio contra a soberania e a autodeterminação dos povos
O Nobel concedido a María Corina Machado não é sobre paz — é sobre poder. É a consagração de uma estratégia histórica: usar prêmios, instituições e narrativas de direitos humanos como armas ideológicas para disciplinar o Sul Global.
Ao transformá-la em heroína internacional, o Ocidente busca reafirmar sua autoridade moral sobre a América Latina e enquadrar a Venezuela no modelo econômico e político que sempre tentou impor.
A verdadeira paz na região não virá de prêmios concedidos em Oslo ou Washington, mas de processos soberanos construídos pelos próprios povos latino-americanos — com justiça social, redistribuição de riqueza e autodeterminação.
Conceder o Nobel da Paz a María Corina Machado é, no fundo, um ato de guerra simbólica contra essa soberania.