Liderança quilombola do Ceará denuncia apagamentos históricos, cobra políticas públicas e afirma que sem reconhecimento não há justiça climática
Durante participação no programa Café com Democracia, transmitido pela TV e WebRádio Atitude Popular, Cristina Quilombola — liderança do quilombo Caetanos, em Capuã (Caucaia) e vice-coordenadora da SERQ (Sociedade de Educação Rural Quilombola) — traçou um panorama detalhado da luta quilombola no Ceará. A entrevista integra a série de conversas com movimentos populares promovida pela Rede de Comitês Populares pela Democracia.
Ao ser provocada por uma afirmação do professor Evaldo Lima de que os quilombolas são “herança de luta ancestral por liberdade e dignidade”, Cristina respondeu com firmeza: “Somos lutas, somos resistências”. Ela lembrou que, apesar de o primeiro reconhecimento oficial de uma comunidade quilombola no estado ter ocorrido entre 2009 e 2012, os territórios são muito mais antigos. “Já éramos quilombo desde 1585. Nossos ancestrais fugiam da escravidão, da fome e das secas. E seguimos fugindo da violência simbólica e do apagamento”, afirmou.
Cristina relatou que o mapeamento realizado em 2019 em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário e a Codea identificou inicialmente 187 territórios. Hoje, já são mais de 1.330 comunidades quilombolas no Ceará, sendo 239.115 pessoas autodeclaradas quilombolas em 168 municípios, de acordo com o censo promovido pelo IBGE em colaboração com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
Para ela, a luta por território é central e precisa ser acompanhada por garantias de permanência. “Muitos dizem que não existimos, então tivemos que provar. Fizemos mapas, mostramos escolas, saneamento, produção, ausência de estrutura. Mas também mostramos o que temos de valor: nossa cultura, nossa força, nossa história.”
A entrevista abordou ainda a situação da educação quilombola, com destaque para a escassez de escolas estaduais voltadas para a realidade das comunidades. Cristina enfatizou que o Estado precisa investir em concursos públicos, reconhecimento das escolas do campo e políticas que incentivem os jovens a permanecerem em seus territórios. “Os assentamentos estão envelhecendo porque as crianças saem para estudar e não voltam. Falta oportunidade para aplicar o que aprenderam onde nasceram.”
A segurança alimentar e a agricultura também foram destaque. Cristina celebrou o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e iniciativas protagonizadas por mulheres quilombolas, como a publicação de um livro sobre alimentação tradicional, apresentado na Bienal e citado no Fantástico. “Nossos alimentos são sagrados e saborosos. Pé de moleque, bolo de macaxeira, plantamos sem agrotóxicos, cuidamos da terra como nossos velhos nos ensinaram.”
Na reta final da entrevista, Cristina denunciou os impactos de grandes empreendimentos, como o Gasoduto 2, sobre os territórios quilombolas. Ela ressaltou que o estudo de componente quilombola não foi respeitado e que tanto a Fundação Palmares quanto o Incra barraram a proposta. “Nada sobre nós sem nós. Estamos com a Anistia Internacional e vamos à COP 13 em Belém lutar por justiça climática. O racismo ambiental existe e atinge nossas águas, nossas terras e nossas vidas.”
Ela encerrou com um chamado à mobilização: “O território é onde a gente constrói a vida, a cultura, a educação e o pertencimento. E ele só será preservado se formos muitos e muitas levantando essa bandeira.”
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